Sua causa!
Muito bem! Conforme ocorrência anterior, fulano de tal, brasileiro, solteiro, carteira de identidade número xxx, residente e domiciliado na rua xxx, nesta capital, foi flagrado dentro de sua residência com vários comprimidos de ecstasy. Também chamado de droga do amor, o ecstasy é uma droga psicoativa, conhecida quimicamente como 3,4-metilenodioximetanfetamina e abreviada por MDMA.
Os policiais civis que estavam fazendo a investigação, lastreada em denúncia anônima, entraram em sua residência sem mandado judicial, valendo-se do conceito de que o crime é classificado como permanente, podendo o flagrante ser dado a qualquer momento e sem autorização judicial. Ademais, ingressaram na residência sem qualquer consentimento do morador.
Com sua prisão em flagrante, Fulano de tal fora encaminhado para a audiência de custódia que fora realizada um mês depois do fato. O fato se deu na comarca de São Paulo/SP.
Você requereu o relaxamento da prisão em flagrante, tendo em vista que ela não fora feita de forma legal, uma vez que se descumpriu o art. 310, caput, CPP, que exige o prazo de 24 horas para a sua realização, bem como não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva, forte, ainda, que a investigação foi lastreada em denúncia anônima e o flagrante foi feito sem observar os balizamentos jurisprudenciais de consentimento do morador.
Todavia, o magistrado entendeu por bem decretar a prisão preventiva, afirmando que o prazo de 24 horas é considerado impróprio e não merece ser seguido à risca, além disso corroborou as declarações do Ministério Público de que o acusado é rico e isso pode ensejar a prisão com base na garantia da ordem pública, bem como ele poderia fugir do país e ameaçar testemunhas, em razão da sua excelente condição financeira.
Por fim, o magistrado entendeu que por tratar-se de crime permanente, o flagrante poderia ser dado a qualquer tempo, independentemente de autorização judicial, bem como que a inexistência de consentimento do morador para o ingresso em sua residência constitui mera irregularidade.
Dessa forma, o réu nesse momento encontra-se preso preventivamente na cidade de São Paulo/SP, estando os autos com o delegado de polícia responsável, tendo sido o feito distribuído para o juiz da 1ª Vara Criminal da Capital. Cumpre ressaltar que até o presente momento não houve indiciamento, já se ultimando 90 dias de investigação, ultrapassando-se o prazo previsto no artigo 51 da Lei nº11.343/06.
Além disso, a autoridade policial não requereu a realização do laudo definitivo e nem procedeu à oitiva de testemunhas, inexistindo, assim, sequer um indiciamento do acusado.
Você, como advogado de Fulano de tal, deverá interpor a peça cabível para a restituição da liberdade de seu cliente, uma vez que já está recolhido há bastante tempo e sem qualquer diligência policial prestes a ser cumprida.
A prisão preventiva
Está prescrito na Constituição Federal em seu artigo 5°, LVII, que todos são considerados inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ressalta-se o princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade. Nesses termos:
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988, [s. p.])
Nesse diapasão, qualquer medida restritiva de direito, notadamente uma prisão preventiva, apenas pode ser decretada quando preencher todos os requisitos legais, uma vez que a liberdade é a regra.
O problema a ser resolvido elenca uma prisão preventiva que possui natureza cautelar pressupondo a existência de periculum libertatis e fumus comissi delicti, como bem ensina o Professor Avena, in verbis:
Como qualquer medida cautelar, a preventiva pressupõe a existência de periculum in mora (ou periculum libertatis) e fumus boni iuris (ou fumus comissi delicti), o primeiro significando o risco de que a liberdade do agente venha a causar prejuízo à segurança social, à eficácia das investigações policiais/apuração criminal e à execução de eventual sentença condenatória, e o segundo, consubstanciado na possibilidade de que tenha ele praticado uma infração penal, em face dos indícios de autoria e da prova da existência do crime verificados no caso concreto. (AVENA, 2020, p. 1054)
O art. 312 do CPP demonstra os requisitos necessários para a realização da prisão preventiva, nesses termos:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (BRASIL, 1988, [s. p.])
Nesse diapasão, antes de adentrar nos requisitos pertinentes à decretação da prisão preventiva, o juiz deverá ter certeza da existência do crime e indícios suficientes de autoria, pressupostos fundamentais para a sua imposição. Nas palavras de Nestor Távora e Osmar Rodrigues:
Temos a necessidade de comprovação inconteste da ocorrência do delito, seja por exame pericial, testemunhas, documentos, interceptação telefônica autorizada judicialmente ou quaisquer outros elementos idôneos, impedindo-se a segregação cautelar quando houver dúvida quanto à existência do crime. Quanto a autoria, são necessários apenas indícios aptos a vincular o indivíduo à prática da infração. Não se exige a concepção de certeza, necessária para uma condenação. A lei se conforma com o lastro superficial mínimo vinculando o agente ao delito. (TÁVORA; ALENCAR, 2019, p. 980)
O Código de Processo Penal estabelece no art. 312 os pontos necessários para fundamentação da prisão preventiva, pois, além de ser necessária a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, a decretação deverá motivar-se em um dos seus requisitos, sob pena de ilegalidade da prisão.
O primeiro requisito consiste na garantia da ordem pública. A doutrina majoritária critica esse requisito autorizador da medida cautelar, pois o conceito de tal expressão é bastante amplo. Para alguns doutrinadores, como Leonardo Barreto:
[...] violam a ordem pública: aqueles que afetam a credibilidade do judiciário; os que contam com a divulgação pela mídia (não confundir com sensacionalismo, clamor público); os crimes cometidos com violência ou grave ameaça ou com outra forma de execução cruel; se o agente delitivo possui longa ficha de antecedentes etc. (ALVES, 2019, p. 117)
Nessa linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça entende que a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública não pode basear-se em dados abstratos, como, a título de exemplificação, estar o indivíduo submetido a processo criminal ou já ter sido condenado por outro crime, bem como o fato de a capacidade econômica dele ser elevada e isso, por si só, já configurar elemento suficiente para consubstanciar-se na chamada na garantia da ordem pública.
No caso concreto deve ser demonstrado exaustivamente que a liberdade do indivíduo coloca a ordem pública em perigo, por ser uma exceção tal prisão, não pode basear-se em fatos abstratos. Nesses termos, é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. REINCIDÊNCIA. DECRETO DEVIDAMENTE MOTIVADO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. SUFICIÊNCIA.
1. Preliminarmente, não há óbice ao conhecimento do writ, pois "a superveniência de sentença penal condenatória, na qual se nega o apelo em liberdade com os mesmos fundamentos utilizados anteriormente para justificar a prisão preventiva, sem agregar fatos novos, não conduz à prejudicialidade da ação constitucional de habeas corpus ou do recurso ordinário em habeas corpus dirigidos contra decisão antecedente de constrição cautelar" (AgRg no RHC n. 119.723/RO, relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 29/6/2020).
2. A prisão preventiva revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso se mostrem inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal. Nessa linha, esta Corte firmou orientação de ser indispensável, por ocasião da prolação da sentença condenatória, que o magistrado fundamente, com base em dados concretos
extraídos dos autos, a necessidade de manutenção ou imposição de segregação cautelar.
3. No caso, verifica-se que a negativa de recurso em liberdade se deu com base na manutenção dos requisitos da custódia cautelar demonstrados quando da prolação do decreto prisional. Nesse cenário, observa-se que o periculum libertatis encontrase evidenciado por ter sido registrada a existência de risco de reiteração criminosa, uma vez que o agente, no momento da sua prisão em flagrante, seria reincidente, tendo a pena sido recentemente extinta pelo cumprimento.
4. Todavia, verifica-se suficiente, para os fins acautelatórios pretendidos, a imposição de medidas outras que não a prisão, notadamente porque não se trata da apreensão de elevada quantidade de entorpecentes, mas, sim, de cerca de 50g (cinquenta gramas) de maconha, 0,2g (dois decigramas) de haxixe e 19g (dezenove gramas) de ecstasy. Outrossim, quanto à existência de risco de reiteração delitiva em relação ao agente, observa-se que seria configurado por outro processo criminal, já transitado em julgado, pela prática do delito previsto no art. 129, § 9º, do CP, cuja respectiva pena corporal consistiu em três meses de detenção, em regime aberto, já extinta pelo seu cumprimento.
5. Assim, as particularidades do caso, sobretudo a quantidade de droga apreendida, demonstram a suficiência, a adequação e a proporcionalidade da fixação das medidas menos severas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, o qual determina que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva, ou seja, quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
6. Ordem parcialmente concedida para substituir a custódia preventiva do paciente por medidas cautelares diversas da prisão, as quais deverão ser fixadas pelo Juízo de primeiro grau. (HC 717072 / SP)
O segundo requisito consiste na garantia da ordem econômica. In casu, deve ficar comprovado que a liberdade do acusado possa gerar um grave abalo à ordem econômica. Todavia, essa forma de prisão cautelar é totalmente genérica e de difícil constatação no caso concreto, muito em razão de ser bem parecida com a garantia da ordem pública.
A título de exemplo, citam-se os crimes de sonegação fiscal com cifras exponenciais, lavagem de capitais praticada por meio de uma avançada engenharia econômica de forma a ocultar valores estratosféricos desviados de empresas públicas ou graves fraudes em licitações públicas que possam comprometer toda a estabilidade social local.
No sentido da inocuidade do requisito, Nestor Távora e Osmar Rodrigues prelecionam: "[...] afinal, havendo temor da prática de novas infrações, afetando ou não a ordem econômica, já haveria o enquadramento na expressão maior, que é a garantia da ordem pública" (TÁVORA; ALENCAR, 2019, p. 984).
O terceiro requisito consiste na garantia da instrução criminal. Nesse caso, a lei prevê a possibilidade de prisão preventiva de alguém que esteja colocando em xeque a produção probatória, ameaçando testemunhas ou destruindo provas. Cumpre ressaltar que tais fatos devem estar exaustivamente apontados concretamente nos autos.
Além disso, a prisão pode ser decretada para garantia da aplicação da lei penal. In casu, a possibilidade de prisão preventiva diz respeito àquela situação em que o agente evade e reste difícil o cumprimento da penalidade a ele imposta no final do processo.
Lado outro, a jurisprudência e a doutrina majoritárias entendem que o simples fato de o agente possuir condição financeira abastada não é suficiente para presumir que ele irá fugir, ou seja, não pode isoladamente ser fundamento necessário para a decretação de sua prisão preventiva. Como é cediço, é necessário que se comprove fatos concretos que demonstrem a impossibilidade de aplicação da lei penal, por exemplo, fretamento de algum avião para sair do país. Por todos, segue pensamento pretoriano:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. ESPECIAL GRAVIDADE DA CONDUTA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA, NO CASO. ALEGADA DESPROPORÇÃO ENTRE A PRISÃO CAUTELAR E A PENA ADVINDA DE EVENTUAL CONDENAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A prisão preventiva, para ser legítima à luz da sistemática constitucional, exige que o Magistrado, sempre mediante fundamentos concretos extraídos de elementos constantes dos autos (arts. 5.º, LXI, LXV e LXVI, e 93, inciso IX, da Constituição da República), demonstre a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria delitiva (fumus comissi delicti), bem como o preenchimento de ao menos um dos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, no sentido de que o réu, solto, irá perturbar ou colocar em perigo (periculum libertatis) a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal.
2. Hipótese em que a necessidade da segregação cautelar do Acusado foi justificada no decreto prisional com base na gravidade concreta da conduta, evidenciada pela expressiva quantidade de droga apreendida, o que, nos termos da jurisprudência desta Corte, justifica a prisão provisória como forma de garantia da ordem pública.
Precedentes.
3. A existência de condições pessoais favoráveis não tem o condão de, por si só, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes um dos requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema, como ocorre, na espécie.
4. Nessa fase processual, não há como prever a quantidade de pena que eventualmente poderá ser imposta, caso seja condenado o Agravante, menos ainda se iniciará o cumprimento da reprimenda em regime diverso do fechado, de modo que não se torna possível avaliar a arguida desproporção da prisão cautelar.
5. Agravo desprovido. (AgRg no RHC 157460 / SP)
Uma última alteração relevante trazida pelo Pacote Anticrime é a regra inscrita no artigo 316, CPP, em que se determina ao juiz a necessidade de revisão da prisão preventiva decretada após o decurso do prazo de 90 dias, sob pena de a prisão ser classificada como ilegal, nesses termos:
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (BRASIL, 1941, [s. p.])
Tal pensamento legal é importante para impedir as vetustas prisões sem prazo, em que o acusado ficava o processo penal todo encarcerado com algum arremedo de fundamentação que não subsistia e fora decretada há bastante tempo. Com a novel modificação legal, o juiz que decretou a prisão preventiva deverá atentar-se, após o prazo de 90 dias, para a necessidade ou não de sua manutenção, conforme vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AGRAVANTE CONDENADO À PENA DE9 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NÃO
CONFIGURADO. RAZOABILIDADE.
EXCESSO DE PRAZO DA PRISÃO. PRAZO NONAGESIMAL PARA REVISÃO DA NECESSIDADE DE SEGREGAÇÃO CAUTELAR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - Quanto ao aventado excesso de prazo para o julgamento do recurso de apelação contra sentença condenatória prolatada, em 17/6/2019, tenho que, por ora, não está configurado o alegado excesso de prazo para a análise do referido recurso; eis que, no que tange à hipótese aventada, é preciso registrar que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a análise do excesso de prazo para o julgamento da apelação deve levar em consideração o quantum da pena aplicada pela sentença condenatória que, in casu, totalizou 9 (nove) anos e 8 (oito) meses de reclusão, no regime fechado. Logo, a espera por cerca de aproximadamente 1 (um) ano e 5 (cinco) meses, desde o envio do recurso à eg. Corte a quo, em 08/7/2020, não se me afigura desproporcional.
II - No que toca à tese acerca da ocorrência de excesso de prazo na prisão, mormente, no ponto em que aduz que "o advento da Lei nº 13.964/19, em vigor desde 23.01.2020, passou-se a exigir a revisão, a cada noventa dias, da necessidade de manutenção de prisão preventiva decretada, sob pena de tornar a prisão ilegal, nos exatos termos do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal" , verifico que a quaestio não comporta conhecimento, haja vista que não foi apreciada pelo eg. Tribunal de origem, o que impede a manifestação desta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
III - É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 706626 / PE)
A Lei nº 11.343/06
Quanto ao disposto na Lei nº 11.343/06, em seu artigo 51, há um prazo conclusivo do inquérito policial de 30 (trinta) dias para que a Autoridade Policial conclua a sua investigação e indicie ou peça dilação de prazo para continuar analisando o caso concreto, em se tratando de acusado preso.
O excesso de prazo é um dos motivos pelos quais a prisão não pode sustentar-se, eis que o acusado não pode continuar preso por uma deficiência estatal em investigar e coletar provas para o seu correto indiciamento. A letra fria da lei deve ser cumprida à risca quando se trata de colocação em risco do bem jurídico mais importante depois da vida, qual seja, a liberdade do agente.
Outro ponto importante é que o acusado não pode ficar preso preventivamente sem qualquer indiciamento, o que demonstra, por si só, uma desídia estatal na coleta de provas hábeis para tanto. Caso seja relevante que alguém responda preso a um processo criminal, os fundamentos de eventual cautelar preventiva devem estar presentes de forma concreta nos autos.
Ademais, cumpre ressaltar que a Lei de Drogas exige a realização de dois laudos periciais para satisfazer o devido processo legal, sendo indispensáveis os laudos preliminares ou de constatação e o definitivo, uma vez que a ausência de um dos dois laudos ocorre situação de nulidade absoluta.
Trata-se da disposição prevista nos artigos 50 e seguintes, a seguir transcritos:
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.
§ 3º Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do laudo de constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014)
§ 4º A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia competente no prazo de 15 (quinze) dias na presença do Ministério Público e da autoridade sanitária. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014)
§ 5º O local será vistoriado antes e depois de efetivada a destruição das drogas referida no § 3º , sendo lavrado auto circunstanciado pelo delegado de polícia, certificando-se neste a destruição total delas. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014)
Art. 50-A. A destruição de drogas apreendidas sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da apreensão, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que couber, o procedimento dos §§ 3º a 5º do art. 50.
(Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014). (BRASIL, 2006, [s. p.])
Pelo que consta da orientação legal, a exigência de dois laudos periciais é requisito indispensável para o correto processamento de alguém por delito envolvendo o tráfico de drogas.
PONTO DE ATENÇÃO
O princípio da presunção de inocência e os requisitos da prisão preventiva devem ser estudados de forma paralela para a devida compreensão das diversas formas de prisões provisórias existentes no
ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, atenção especial para o que dispõe a lei extravagante quanto à aplicação do devido processo legal.
Vamos peticionar!
Para elaborarmos uma peça prático-profissional que visa à liberdade de alguém, cumpre ressaltar as seguintes indagações.
1 - Já tendo sido decretada a prisão preventiva, qual medida poderia ser utilizada antes da instrução criminal?
2 - A prisão viola os requisitos do artigo 312, CPP?
3- Existe alguma medida diferente do habeas corpus hábil a resolver a questão e restituir a liberdade?
4- Há algum dispositivo novo inserido pelo Pacote Anticrime e que merece análise concreta?
5- Existe disposição específica prevista em legislação extravagante que mereça ser abordada?
Respondidas essas perguntas poderemos começar a desenvolver a nossa peça.
1 - É sempre importante fundamentar, inicialmente, com algum artigo da Constituição Federal, notadamente o artigo 5º.
2 - Após a utilização de um artigo da Constituição Federal é interessante que se utilize um ou mais artigos da legislação infraconstitucional e que, evidentemente, explique o motivo da citação legal.
3 - Precisamos utilizar, também, a doutrina, se possível mais de um doutrinador com o mesmo entendimento. A utilização de uma doutrina atual enriquece qualquer peça.
4 - Não podemos deixar de utilizar uma jurisprudência atual acerca do assunto debatido. Deve-se preferir jurisprudência de Tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
Atenção: jurisprudência refere-se às decisões reiteradas dos tribunais, decisões isoladas devem ser evitadas.
5 - Se possível utilizar súmulas, vinculantes e/ou não vinculantes.
A primeira medida a se fazer em uma peça processual é o endereçamento, ou seja, precisamos saber de quem é a competência para analisar aquele fato. Por esse motivo antes de ajuizar uma ação ou apresentar qualquer peça processual é necessário que o aluno conheça as regras de competência. As questões da OAB sempre demonstram onde se deu o fato, o que fica claro de atestar a competência.
Após o endereçamento, faz-se um preâmbulo, nele colocaremos todos os dados das partes. Nunca
se deve inventar dados nas peças práticas da OAB, pois isso identifica a sua prova, gerando a desclassificação.
Após o preâmbulo, iniciaremos os fatos, que nada mais são que a história contada pelo examinador.
Após a narrativa dos fatos, iniciaremos os fundamentos jurídicos. É nesse ponto que você demonstra seu conhecimento. Portanto, faça com muita atenção e demonstre para o seu examinador que você conhece do assunto.
Após a fundamentação, é hora de fazer os pedidos. Cuidado! Você só pode pedir o que fundamentou.
Essas são as chamadas dicas de ouro e temos certeza de que com esse roteiro mental será fácil compreender e colocar em prática todos os seus poderes para uma escorreita peça práticoprofissional. Vamos peticionar?
REFERÊNCIAS
AVENA, N. Processo Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020, p. 1054. [Minha Biblioteca].
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 maio 2022.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF:
Presidência da Repúlblica, 1941. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689.htm. Acesso em: 3 jun. 2022.
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, 2006 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 4 jun. 2022.