Sua causa!
Chegamos à Seção 6, onde continuaremos a abordagem dos recursos em segunda instância, diante de um acórdão desfavorável.
Auguste Dupin ingressou com ação de despejo em face de sua inquilina, a enfermeira Eugenie Lalande. Eugenie tempestivamente purgou a mora, juntando aos autos comprovação de depósito dos aluguéis e todas as demais despesas. Após o regular tramite da ação, sobreveio sentença de procedência do pedido, tendo sido objeto de recuso de apelação que, após o recebimento, foi julgado improcedente, por meio de acordão eivado de omissão e contradição, razão pela qual, foram interpostos embargos de declaração, julgados procedentes pela 84ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, por meio de acordão modificativo nos seguintes termos:
ACÓRDÃO
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Omissão. Contradição. Existência. Acordão Modificativo. Apelação. Despejo. Purgação da mora. Rescisão contratual. Possibilidade. APELAÇÃO DESPROVIDA.
O recurso de apelação foi interposto contra sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, o qual julgou procedente a ação de despejo, com a finalidade de "DECLARAR RESCINDIDO o contrato de locação celebrado entre as partes, por inadimplemento contratual da requerida no que diz respeito aos pagamentos dos aluguéis e acessórios e, em consequência, DECRETO O DESPEJO da ré". Segundo consta da sentença, em que pese tempestiva purga da mora, houve o descumprimento do pacto contratual, decorrente da falta de pagamento, o que per si, é motivo ensejador da rescisão.
A recorrente afirma que esta deixou de efetuar os pagamentos por um lapso de sua parte, porém, tem pleno interesse na manutenção da relação contratual, razão pela qual, promoveu a purgação da mora.
Houve o julgamento da apelação interposta, desprovendo-a.
Foram opostos embargos de declaração em razão da existência de omissão e contradição no acordão proferido.
É O RELATÓRIO
Assiste razão a embargante. De fato, por equívoco desta corte, houve omissão quanto à preliminar arguida e erro de digitação que afetou a parte final do julgado, razão pela qual acolhe-se os embargos.
Com relação à preliminar arguida, conheço e nego provimento, posto que a nulidade de citação alegada foi superada pela manifestação tempestiva da parte embargante, alçando seu objetivo a citação realizada.
Quanto ao mérito do recurso, conforme apontado pelo juízo a quo, de fato, houve a quebra da relação de confiança esperada no pacto contratual decorrente da falta de pagamentos dos alugueres, sendo que a previsão contida no art. 62, II da Lei Federal 8.245 relativa a evitar a rescisão, não possui efeitos práticos.
Ante o exposto, pelo meu voto, entendo pelo ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, alterando o acordão anteriormente prolatado e, quanto ao mérito da apelação proposta, voto pelo DESPROVIMENTO DO RECURSO, mantendo-se a sentença atacada por seus próprios fundamentos.
JULIUS RODMAN RELATOR
Lembramos que Eugenie foi agraciada com os benefícios da gratuidade de justiça quando ao preparo do recurso.
O recurso de apelação foi interposto contra sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, o qual julgou procedente a ação de Interdição, com a finalidade de "decretar a interdição de MYERCELLA LANNISTER, ante a seu histórico de PRODIGALIDADE, nos termos do art. 1.767, V do Código Civil". Segundo consta da sentença, em que pese a interdição se dar em face de pródigo, a representação seria necessária para prática de todos os atos da vida civil da interditanda, sendo indeferida ainda, a nomeação de novo curador.
A interditanda, afirma que esta em pleno gozo de suas faculdades mentais, não fazendo uso de drogas ou tendo episódios de prodigalidade e que, na hipótese de manutenção da interdição, é necessária alteração de curador ante ao claro conflito de interesses entre ela e seu irmão, herdeiros de vultuosa fortuna deixada por seu pai.
Houve o julgamento da apelação interposta, desprovendo-a.
Foram opostos embargos de declaração em razão da existência de omissão e contradição no acordão proferido.
Fundamentando!
1. DO RECURSO ESPECIAL Como já citado na seção anterior, as hipóteses de cabimento do recurso especial estão descritas no art. 105, III, alíneas "a", "b" e "c" da Magna Carta.
O referido artigo impõe que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do distrito federal e territórios, quando à decisão recorrida:
Art. 105. (...)
(...)
III - (...)
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. (BRASIL, 1988, [s. p.])
Ao tratar de contrariedade à lei federal, ressaltamos o teor da Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, na qual é afirmado que "Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra "a" do art. 101, III, da Constituição Federal" (BRASIL, 1964, [s.p.]).
1.1 CONTRARIAR OU NEGAR VIGÊNCIA A TRATADO OU LEI FEDERAL
A primeira hipótese de cabimento do recurso especial é a contrariedade ou negativa de vigência à tratado ou lei federal. A expressão contida no texto legal "negar vigência", em verdade, é absorvida pela expressão "contrariar", posto que esta segunda, por óbvio, é mais ampla.
Ao tratarmos da hipótese de contrariedade da lei federal, é importante ressaltar que, nos termos da Súmula 518 STJ, não é cabível recurso especial fundado em alegada violação de enunciado de súmula.
É importante ressaltar que, ao interpor recurso especial, o interessado deve indicar expressamente o dispositivo da lei ou tratado que foi violado, sob pena de não conhecimento do recurso. Nesse sentido, tem decidido a jurisprudência:
A ausência de indicação de dispositivo de lei federal que teria sido violado pelo acórdão recorrido ou interpretado de forma divergente pelos tribunais, torna o recurso especial interposto com base nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional deficiente em sua fundamentação. Incidência, por analogia, da Súmula 284/STF. (BRASIL, 2015a, [s. p.])
Outro ponto relevante acerca do tema é a inadequação do recurso especial para análise de interpretação de portarias ou instruções normativas, justamente por tais institutos não estarem compreendidos na expressão "lei federal", in verbis:
[...] o recurso especial não constitui via adequada para análise de interpretação de resoluções, portarias ou instruções normativas, por não estarem tais atos normativos compreendidos na expressão 'lei federal', constante da alínea 'a' do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. (BRASIL, 2015b, [s. p.])
1.2 JULGAR VÁLIDO ATO DE GOVERNO CONSTESTADO EM FACE DE LEI FEDERAL
A hipótese contida no art. 105, III, "b" é autoexplicativa, ou seja, quando o acordão prolatado julgar válido ato de governo local quando confrontado com lei federal, será cabível o recurso especial.
Insta consignar que, caso a decisão proferida dê validade à lei local contestada em face de lei federal, o recurso cabível não será o especial, mas, sim, o extraordinário. Com isso, cabe frisar que o ato de governo local mencionado na alínea analisada é o denominado "ato infralegal" e não lei.
1.3 INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE À LEI FEDERAL DA QUE LHE HAJA ATRIBUÍDO OUTRO TRIBUNAL
A última hipótese de cabimento do recurso especial é a constante do art. 105, III, "c" da Magna Carta.
Uma das características essenciais do recurso especial, é a função de uniformização de interpretação da lei federal, ou seja, caso os Tribunais deem entendimentos diversos à legislação federal, haverá espaço para que o recurso especial uniformize o entendimento, sanando as divergências.
A esse respeito, o § 1º do art. 1.029 do CPC estabelece que:
Art. 1.029 - [...]
[...]
§ 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. (BRASIL, 2015c, [s. p.])
Assim, a simples interpretação diferente dada por outro tribunal não é suficiente para fins de recurso especial, devendo o interessado mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
2. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Assim como ocorre com o recurso especial, o recurso extraordinário tem previsão constitucional e suas hipóteses de cabimento estão descritas no art. 102, III, alíneas "a", "b", "c" e "d", e na Magna Carta, onde é definida a competência para o seu julgamento como sendo do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
Art. 102 (...)
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (BRASIL, 1988, [s. p.])
É importante lembrar que tanto o recurso especial, quanto o recurso extraordinário são dotados de efeito devolutivo, podendo ser concedido o efeito suspensivo mediante requerimento da parte na forma prevista no art. 1.029, § 5º, do CPC.
2.1 CONTRARIAR DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO
A primeira hipótese de cabimento do recurso extraordinário é a contrariedade à dispositivo da Constituição Federal. A expressão "contrariar" utilizada no texto tem o sentido de negar vigência, afrontar, deixar de aplicar e, ainda, não lhe dar a melhor interpretação.
2.2 DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DE TRATADO OU LEI FEDERAL
Uma das funções do Supremo Tribunal Federal é exercer o controle difuso de constitucionalidade, o que faz por meio do recurso extraordinário.
As partes interessadas em qualquer demanda judicial podem postular a não aplicação de determinada lei federal ou tratado, afirmando a sua inconstitucionalidade, hipótese na qual ela pode ser ou não reconhecida, o que dá ensejo ao recurso extraordinário.
PONTO DE ATENÇÃO
Caso o acordão recorrido reconhecer a constitucionalidade da lei federal ou tratado atacado, o recurso extraordinário não será admitido.
2.1 JULGAR VÁLIDO ATO DE GOVERNO CONSTESTADO EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
A expedição de acordão declarando inconstitucionalidade de lei local não enseja recurso extraordinário, porém, caso a decisão prolatada manifeste pela validade de lei ou ato de governo local, contestado em face da Constituição Federal, será clara a admissão do recurso extraordinário, até porque é contrário à Magna Carta.
A respeito do tema foi editada a Súmula 285 pelo Supremo Tribunal Federal, a qual impõe que "Não sendo razoável a arguição de inconstitucionalidade, não se conhece do recurso extraordinário fundado na letra "c" do art. 101, III, da Constituição Federal" (BRASIL, 1963, [s. p.]).
2.2 JULGAR VÁLIDA LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
A última alínea do art. 101, III versa sobre a possibilidade de interposição de recurso extraordinário quando o acordão proferido julgar válida lei local contestada em face da Constituição Federal. Essa hipótese de cabimento do recurso foi inserida no texto constitucional por meio da EC 45/2004, posto que, anteriormente, tal hipótese dava ensejo à interposição de recurso especial.
Vamos peticionar!
Caro aluno, face ao acordão proferido pelo tribunal, é necessária a identificação dos pontos contrários aos interesses da recorrente Eugenie Lalande, a fim de identificar a peça processual cabível à defesa de seus interesses.
É importante que você verifique que as omissões e contradições foram sanadas, observando se a decisão prolatada se enquadra nas hipóteses do art. 102, III ou 105, II da Constituição Federal, principalmente no que concerne ao teor do art. 62, II da Lei Federal nº 8.245/91, no que tange a evitar a rescisão contratual.